Declaração Santiago 1972

Mesa-Redonda de Santiago do Chile – ICOM, 1972

Tradução Marcelo M. Araújo e Mª Cristina Bruno

1. PRINCÍPIOS DE BASE DO MUSEU INTEGRAL

Os membros da Mesa-Redonda sobre o papel dos museus na América Latina de hoje, analisando as apresentações dos animadores sobre os problemas do meio rural, do meio urbano, do desenvolvimento técnico-científico, e da educação permanente, tomaram consciência da importância desses problemas para o futuro da sociedade na América Latina.

Pareceu-lhes necessário, para a solução destes problemas, que a comunidade entenda seus aspetos técnicos, sociais, económicos e políticos.

Eles consideraram que a tomada de consciência pelos museus, da situação atual, e das diferentes soluções que se podem vislumbrar para melhorá-la, é uma condição essencial para sua integração à vida da sociedade. Desta maneira, consideraram que os museus podem e devem desempenhar um papel decisivo na educação da comunidade.

Santiago, 30 de maio de 1972

2. Resoluções ADOTADAS PELA MESA REDONDA DE SANTIAGO DO CHILE

Por uma mutação do museu da América Latina

Considerando

  • Que as transformações sociais, económicas e culturais que se produzem no mundo, e, sobretudo em um grande número de regiões em via de desenvolvimento, são um desafio para a Museologia;
  • Que a humanidade vive atualmente em um período de crise profunda; que a técnica permitiu à civilização material realizar gigantescos progressos que não tiveram equivalência no campo cultural; que esta situação criou um desequilíbrio entre os países que atingiram um alto nível de desenvolvimento material e aqueles que permanecem à margem desta expansão e que foram mesmo abandonados ao longo de sua história; que os problemas da sociedade contemporânea são devidos a injustiças, e que não é possível pensar em soluções para estes problemas enquanto estas injustiças não forem corrigidas;
  • Que os problemas colocados pelo progresso das sociedades no mundo contemporâneo devem ser pensados globalmente e resolvidos em seus múltiplos aspetos; que eles não podem ser resolvidos por uma única ciência ou por uma única disciplina; que a escolha das melhores soluções a serem adotadas, e sua aplicação, não devem ser apanágio de um grupo social, mas exigem ampla e consciente participação e pleno engajamento de todos os sectores da sociedade;
  • Que o museu é uma instituição a serviço da sociedade, da qual é parte integrante e que possui nele mesmo os elementos que lhe permitem participar na formação da consciência das comunidades que ele serve; que ele pode contribuir para o engajamento destas comunidades na ação, situando suas atividades em um quadro histórico que permita esclarecer os problemas atuais, isto é, ligando o passado ao presente, engajando-se nas mudanças de estrutura em curso e provocando outras mudanças no interior de suas respectivas realidades nacionais;
  • Que esta nova conceção não implica na supressão dos museus atuais, nem na renúncia aos museus especializados, mas que se considera que ela permitirá aos museus se desenvolverem e evoluírem da maneira mais racional e mais lógica, a fim de melhor servir à sociedade; que, em certos casos, a transformação prevista ocorrerá lenta e mesmo experimentalmente, mas que, em outros, ela poderá ser o princípio diretor essencial;
  • Que a transformação das atividades dos museus exige a mudança progressiva da mentalidade dos conservadores e dos responsáveis pelos museus assim como das estruturas das quais eles dependem; que, de outro lado, o museu integral necessitará, a título permanente ou provisório, da ajuda de especialistas de diferentes disciplinas e de especialistas de ciências sociais;
  • Que por suas características particulares, o novo tipo de museu parece ser o mais adequado para uma ação em nível regional, em pequenas localidades, ou de médio tamanho;
  • Que, tendo em vista as considerações expostas acima, e o fato do museu ser uma “instituição ao serviço da sociedade, que adquire, comunica, e notadamente expõe, para fins de estudo, conservação, educação e cultura, os testemunhos representativos da evolução da natureza e do homem”, a Mesa-Redonda sobre o papel do museu na América Latina de hoje, convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, de 20 a 31 de maio de 1972,

Decide de uma maneira geral

  1. Que é necessário abrir o museu às disciplinas que não estão incluídas no seu âmbito de competência tradicional, a fim de conscientizá-lo do desenvolvimento antropológico, socioeconómico e tecnológico das nações da América Latina, através da participação de consultores para a orientação geral dos museus;
  2. Que os museus devem intensificar seus esforços na recuperação do património cultural, para fazê-lo desempenhar um papel social e evitar que ele seja dispersado fora dos países latino-americanos;
  3. Que os museus devem tornar suas coleções o mais acessível possível aos pesquisadores qualificados, e também, na medida do possível, às instituições públicas, religiosas e privadas;
  4. Que as técnicas museográficas tradicionais devem ser modernizadas para estabelecer uma melhor comunicação entre o objeto e o visitante; que o museu deve conservar seu carácter de instituição permanente, sem que isto implique na utilização de técnicas e de materiais dispendiosos e complicados, que poderiam conduzir o museu a um desperdício incompatível com a situação dos países latino-americanos;
  5. Que os museus devem criar sistemas de avaliação que lhes permitam determinar a eficácia de sua ação em relação à comunidade;
  6. Que, levando em consideração os resultados da pesquisa sobre as necessidades atuais dos museus e sua carência de pessoal, a ser realizada sob os auspícios da UNESCO, os centros de formação de pessoal existentes na América Latina devem ser aperfeiçoados e desenvolvidos pelos próprios países; que esta rede de centros de formação deve ser completada e sua influência se fazer sentir no plano regional; que a reciclagem de pessoal atual deve ser garantida em nível nacional e regional; e que lhe seja dada a possibilidade de aperfeiçoamento no estrangeiro.

Em relação ao meio rural

Que os museus devam, acima de tudo, servir à conscientização dos problemas do meio rural, das seguintes maneiras:

  1. Exposição de tecnologias aplicáveis ao aperfeiçoamento da vida da comunidade;
  2. Exposições culturais propondo soluções diversas ao problema do meio social e tecnológico, a fim de proporcionar ao público uma       consciência mais aguda sobre estes problemas, e reforçar as relações nacionais, a saber:
    • Exposições relacionadas com o meio rural nos museus urbanos;
    • Exposições itinerantes
    • Criação de museus de sítios.

Em relação ao meio urbano

Que os museus devam servir à conscientização mais profunda dos problemas do meio urbano, das seguintes maneiras:

  • Os “museus de cidade” deverão insistir de modo particular no desenvolvimento urbano e nos problemas que ele coloca, tanto em suas exposições quanto em seus trabalhos de pesquisa;
  • Os museus deverão organizar exposições especiais ilustrando os problemas do desenvolvimento urbano contemporâneo;
  • Com a ajuda dos grandes museus, deverão ser organizadas exposições, e criados museus em bairros e nas zonas rurais, para informar os habitantes das vantagens e inconvenientes da vida nas grandes cidades;
  • Deverá ser aceita a oferta do Museu Nacional de Antropologia do México, de experimentar, através de uma exposição temporária sobre a América Latina, as técnicas museológicas do museu integral

Em relação ao desenvolvimento científico e técnico

Que os museus devem levar à conscientização da necessidade de um maior desenvolvimento científico e técnico, das seguintes maneiras:

  • Os museus estimularão o desenvolvimento tecnológico, levando em consideração a situação atual da comunidade
  • Na ordem do dia das reuniões dos ministros de educação e (ou) das organizações especialmente encarregadas do desenvolvimento científico e técnico, deverá ser inscrita a utilização dos museus como meio de difusão dos progressos realizados nestas áreas;
  • Os museus deverão dar enfoque à difusão dos conhecimentos científicos e técnicos, por meio de exposições itinerantes que deverão contribuir para a descentralização de sua ação.

Em relação à educação permanente

Que o museu, agente incomparável da educação permanente da comunidade, deverá acima de tudo desempenhar o papel que lhe cabe, das seguintes maneiras:

  • Um serviço educativo deverá ser organizado nos museus que ainda não o possuem, a fim de que eles possam cumprir sua função de ensino; cada um desses serviços será dotado de instalações adequadas e de meios que lhe permitam agir dentro e fora do museu;
  • Deverão ser integrados à política nacional de ensino, os serviços que os museus deverão garantir regularmente;
  • Deverão ser difundidos nas escolas e no meio rural, através dos meios audiovisuais, os conhecimentos mais importantes;
  • Deverá ser utilizado na educação, graças a um sistema de descentralização, o material que o museu possuir em muitos exemplares;
  • As escolas serão incentivadas a formar coleções e a montar exposições com objetos do património cultural local;
  • Deverão ser estabelecidos programas de formação para professores dos diferentes níveis de ensino (primário, secundário, técnico e universitário).

As presentes recomendações confirmam aquelas que puderam ser formuladas ao longo dos diferentes seminários e mesas-redondas sobre museus, organizadas pela UNESCO.

  1. Pela criação de uma Associação Latino Americana de Museologia

Considerando

  • Que os museus são instituições a serviço da sociedade, que adquire, comunica e, notadamente, expõe, para fins de estudo, educação e cultura, os testemunhos representativos da evolução da natureza e do homem;
  • Que, especialmente nos países latino-americanos, eles devem responder às necessidades das grandes massas populares, ansiosas por atingir uma vida mais próspera e mais feliz, através do conhecimento de seu património natural e cultural, o que obriga frequentemente os museus a assumir funções que, em países mais desenvolvidos, cabem a outros organismos;
  • Que os museus e os museólogos latino-americanos, com raras exceções, sofrem dificuldades de comunicação em razão das grandes distâncias que os separam um do outro, e do resto do mundo;
  • Que a importância dos museus e as possibilidades que eles oferecerem à comunidade ainda não são plenamente reconhecidas por todas as autoridades, nem por todos os sectores do público;
  • Que durante a oitava e a nona conferência geral do ICOM, que ocorreram, respetivamente, em Munique em 1968, e em Grenoble em 1971, os museólogos latino americanos que estiveram presentes indicaram a necessidade de criação de um organismo regional;
  • A Mesa-Redonda sobre o papel dos museus da América Latina de hoje, convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, do 20 ao 31 de maio, de 1972,

Decide

  1. Criar a Associação Latino Americana de Museologia (ALAM), aberta a todos os museus, museólogos, museógrafos, pesquisadores e educadores empregados pelos museus com os objetivos e através das seguintes maneiras:
    • Dotar a comunidade regional de melhores museus, concebidos à luz da experiência adquirida nos países latino americanos;
    • Constituir um instrumento de comunicação entre os museus e os museólogos latino americanos;
    • Desenvolver a cooperação entre os museus da região graças no intercâmbio e empréstimo de coleções e ao intercâmbio de informações e de pessoal especializado;
    • Criar um organismo oficial que faça conhecer os desejos e a experiência dos museus c de seu Pessoal aos membros da profissão; à comunidade à qual eles pertencem, às autoridades c a outras instituições congéneres;
    • Afiliar a Associação Latino Americana de Museologia ao Conselho Internacional de Museus, adotando uma estrutura na qual seus membros sejam ao mesmo tempo membros do ICOM;
    • Dividir, para fins operacionais, a Associação Latino Americana de museologia em quatro secções correspondentes provisoriamente às regiões e países seguintes;
    • América Central, Panamá, México, Cuba, São Domingos, Porto Rico, Haiti e Antilhas Francesas.
    • Colômbia, Venezuela, Peru, Equador c Bolívia.
    • Brasil.
    • Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai.
  2. Que os abaixo assinados, participantes da Mesa-redonda de Santiago do Chile, se constituem em Comité de Organização da associação Latino Americana de museologia, e notadamente em um Grupo de Trabalho composto de cinco pessoas, quatro dentre elas representando cada uma das zonas acima enumeradas, e a quinta desempenhando o papel de coordenador geral; que este Grupo de Trabalho terá como objetivo, no prazo máximo de seis meses, elaborar o Estatuto e os regulamentos da associação; definir com o ICOM as formas de ação conjunta; organizar eleições para a constituição dos diversos órgãos da ALAM; estabelecer a sede desta associação, provisoriamente, no Museu Nacional de Antropologia do México; compor este grupo de trabalho com as seguintes pessoas, representando suas zonas respetivas:
  • Zona 1: Luis Diego Gomes Pígnataro (Costa Rica)
  • Zona 2: Alicia Durand de Reichel. (Colômbia)
  • Zona 3: Lygia Martins Costa (Brasil)
  • Zona 4: Grete Mostny Glaser (Chile); coordenador: Mario Vasquez (México).

Santiago, 31 de maio de 1972

3. Recomendações APRESENTADAS À UNESCO PELA MESA-REDONDA DE SANTIAGO DO CHILE

À Mesa-Redonda sobre o papel do museu na América Latina de hoje, convocada pela UNESCO em Santiago do Chile, de 20 a 21 de maio de 1972, apresenta à UNESCO as seguintes recomendações:

  1. Um dos resultados mais importantes a que chegou a mesa-redonda foi a definição e proposição de um novo conceito de ação dos museus: o museu integral, destinado a proporcionar à comunidade uma visão de conjunto de seu meio material e cultural. Ela sugere que a UNESCO utilize os meios de difusão que se encontram à sua disposição para incentivar esta nova tendência.
  2. UNESCO prosseguiria e intensificaria seus esforços para contribuir com formação de técnicos de museus – tanto no nível de ensino secundário quanto ao do universitário, como ela tem feito, até agora, no Centro Regional “Paul Coreanas” (1)
  3. A UNESCO incentivará a criação de um Centro Regional para a preparação e a conservação de espécimes naturais, do qual o atual Centro Nacional de Museologia de Santiago poderá se constituir em núcleo original. Além de sua função de ensino (formação técnica) e de sua função profissional no campo da museologia (preparação de conservação de espécimes naturais), e de produção de material de ensino, este Centro Regional poderá desempenhar um papel importante na proteção das riquezas naturais.
  4. A UNESCO deverá conceder bolsas de estudo e de aperfeiçoamento para técnicos de museus com instrução de nível secundário
  5. A UNESCO deverá recomendar aos ministérios de Educação e de Cultura e (ou) aos organismos encarregados de desenvolvimento científico, técnico e cultural, que considerem os museus como um meio de difusão dos progressos realizados naquelas áreas.
  6. Em razão da importância do problema da urbanização na América Latina e da necessidade de esclarecer a sociedade a este respeito, em diferentes níveis, a UNESCO deverá encorajar a redação de um livro sobre a história, o desenvolvimento e os problemas das cidades na América Latina, o qual seria publicado sob forma de obra científica e sob forma de obra de divulgação. Para atingir um público mais vasto, a UNESCO deverá produzir um filme sobre esta questão, adequado a todos os tipos de público.